Cristiano Almeida
Watchmen - Edição Definitiva |
Ao lermos HQs de heróis, sempre os visualizamos como figuras exemplares, seja pelos poderes sobre-humanos, seja pelo caráter altruísta.
Salvo algumas exceções, quando tomamos conhecimento sobre a vida deles, os
heróis nos são apresentados como seres perfeitos. Mas, e se houvesse uma
sociedade onde eles existissem de verdade, onde fossem humanos com problemas
como todo mundo? Bem, na HQ Watchmen isso é possível, e heróis e civis coexistem
em uma sociedade decadente.
A história foi originalmente publicada em 12 edições entre
1986 e 1987. Com o sucesso de sua publicação, que inclui o Oscar dos
quadrinhos, Eisner, e uma honraria voltada à literatura, o Prêmio Hugo, foi
relançada em uma coletânea que reúne todos os números. O resultado é Watchmen –
Edição Definitiva, graphic novel com acabamento de luxo, papel de qualidade e muitos
extras.
A HQ é escrita pelo excêntrico Alan Moore, escritor que aqui
desenvolve uma narrativa forte, atraente e bem equilibrada. Na trama, nos EUA
da década de 80 os heróis foram proibidos de atuar, tudo porque na década de 70
foi implantada pelo governo a Lei Keene, obrigatoriedade de que todos os vigilantes
mascarados se registrassem socialmente. Com a exigência de revelarem suas
identidades, muitos heróis resolveram se aposentar e, para alguns, foi
resultado de fama, como o caso de Adrian Veidt, o Ozymandias. Outros, como Dr.
Manhattan (o único com superpoderes devido a um acidente nuclear) e o Comediante,
continuaram a trabalhar sob a supervisão do governo. A exceção ficou por conta
do vigilante conhecido como Rorschach, que decidiu agir na clandestinidade,
tornando-se um herói renegado e fora-da-lei.
Tal cenário é apenas a base do roteiro de Moore, que
utiliza também a iminência de uma guerra entre EUA e União Soviética como pano
de fundo. Este elemento rende uma complexidade político-social extremamente
relevante à trama. A história começa com o assassinato de Edward Blake, homem
que descobrimos logo em seguida tratar-se do vigilante conhecido como
Comediante. Rorschach parte para investigar a morte de seu antigo companheiro
de combate ao crime e, conforme sua investigação avança, levanta a suspeita de
um matador de mascarados em
ação. Ele começa a estabelecer contato com outros personagens
que foram vigilantes, como Daniel Dreiberg, o Coruja II, e Laurie Juspeczyk, a
Espectral II, e apresenta sua teoria, com o intuito de alertá-los sobre o
perigo. O problema é que não acreditam nele. Seria, então, Rorschach um maluco,
um sociopata com mania de conspiração? A partir desses questionamentos, o roteiro
nos conduz por uma história que revela uma sociedade cruel, onde os heróis
sofrem e tem problemas como depressão, alcoolismo, entre outros.
A trama avança com flashbacks, que nos mostram a ação dos
primeiros heróis e a formação do grupo conhecido como Homens-Minuto. Cada
personagem tem seu espaço dividido em capítulos e suas motivações são bem
detalhadas. A parte destinada à origem de Rorscharch é a melhor. Interrogado
por um médico psiquiatra, o herói demonstra uma complexidade psíquica quase
doentia e seus diálogos com o médico são excelentes. O ponto negativo nesse
quesito fica por conta do trecho que aborda o Dr. Manhattan (o cientista
nuclear que após um acidente torna-se capaz de manipular a matéria), pois seus
questionamentos existenciais acabam tornando o roteiro demasiado arrastado e sem
tanta fluência. Além da trama em si, o autor inseri uma história paralela, O
Conto do Cargueiro Negro, na qual acompanhamos o relato de um pirata náufrago.
Na realidade, Moore explora aqui mais uma de suas atribuições narrativas, pois
como na realidade criada por ele os heróis estão fora de ação, não há histórias
em quadrinhos convencionais, logo, as pessoas leem histórias de piratas. Os
trechos em que aparecem o leitor dessa trama, aliás, servem para nos manter
informados sobre o pano de fundo da guerra, porque temos também a figura do
jornaleiro, personagem que fala das atualidades e questiona decisões do
governo.
Por fim, Alan Moore consegue transpor em Watchmen uma sombria
realidade, na qual a figura perfeita dos heróis não existe, a sociedade não os
aceita e questiona a atuação dos defensores com a pergunta: Quem vigia os
vigilantes? O autor dá um show de narrativa, interligando todos os pontos, questionando
a veracidade do sonho americano e entregando um desfecho surpreendente.
Contudo, um bom roteiro de HQ não seria eficaz sem que a
história fosse transformada em imagens que capturassem a essência do que o
autor propôs. Nesse ponto, surge a figura do desenhista Dave Gibbons. O artista
explora muito bem todo o potencial dos personagens que tem à mão e nos entrega
os questionamentos e dramas deles de maneira singular.
A história não é pautada por muita ação como as revistas
tradicionais de heróis, mas sim, por uma densidade, uma crescente tensão a cada
descoberta. Gibbons, então, recorre a uma diagramação simples, basicamente nove
quadros por página, e conduz as imagens de modo conexo e efetivo. Seu traço
hoje pode ser considerado bem característico da década que a HQ foi criada,
porém isso não diminui a sua qualidade em complementar o roteiro de Moore.
Além da história e dos desenhos, outro fator interessante na graphic novel são os extras. Entre cada capítulo ficamos sabendo um pouco mais sobre os
personagens, tomamos conhecimento, por exemplo, das motivações do primeiro
herói mascarado. Quando a história termina, temos trechos do roteiro original,
esboços de capa, artes promocionais, textos sobre os personagens e comentários
dos autores. Todos esses extras ampliam a experiência de ler a história, demonstrando
quão complexo foi o processo desde sua criação até sua conclusão.
Watchmen – Edição Definitiva é item obrigatório na
coleção de quem aprecia uma trama adulta e envolvente. Se você está procurando
apenas heróis e quadros e mais quadros de cenas de ação, passe bem longe, mas
se você deseja uma HQ alternativa, influente e aclamada, eis uma excelente
opção.
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