segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Crítica - Watchmen - Edição Definitiva

Cristiano Almeida

Watchmen - Edição Definitiva
Ao lermos HQs de heróis, sempre os visualizamos como figuras exemplares, seja pelos poderes sobre-humanos, seja pelo caráter altruísta. Salvo algumas exceções, quando tomamos conhecimento sobre a vida deles, os heróis nos são apresentados como seres perfeitos. Mas, e se houvesse uma sociedade onde eles existissem de verdade, onde fossem humanos com problemas como todo mundo? Bem, na HQ Watchmen isso é possível, e heróis e civis coexistem em uma sociedade decadente.

A história foi originalmente publicada em 12 edições entre 1986 e 1987. Com o sucesso de sua publicação, que inclui o Oscar dos quadrinhos, Eisner, e uma honraria voltada à literatura, o Prêmio Hugo, foi relançada em uma coletânea que reúne todos os números. O resultado é Watchmen – Edição Definitiva, graphic novel com acabamento de luxo, papel de qualidade e muitos extras.

A HQ é escrita pelo excêntrico Alan Moore, escritor que aqui desenvolve uma narrativa forte, atraente e bem equilibrada. Na trama, nos EUA da década de 80 os heróis foram proibidos de atuar, tudo porque na década de 70 foi implantada pelo governo a Lei Keene, obrigatoriedade de que todos os vigilantes mascarados se registrassem socialmente. Com a exigência de revelarem suas identidades, muitos heróis resolveram se aposentar e, para alguns, foi resultado de fama, como o caso de Adrian Veidt, o Ozymandias. Outros, como Dr. Manhattan (o único com superpoderes devido a um acidente nuclear) e o Comediante, continuaram a trabalhar sob a supervisão do governo. A exceção ficou por conta do vigilante conhecido como Rorschach, que decidiu agir na clandestinidade, tornando-se um herói renegado e fora-da-lei.

Tal cenário é apenas a base do roteiro de Moore, que utiliza também a iminência de uma guerra entre EUA e União Soviética como pano de fundo. Este elemento rende uma complexidade político-social extremamente relevante à trama. A história começa com o assassinato de Edward Blake, homem que descobrimos logo em seguida tratar-se do vigilante conhecido como Comediante. Rorschach parte para investigar a morte de seu antigo companheiro de combate ao crime e, conforme sua investigação avança, levanta a suspeita de um matador de mascarados em ação. Ele começa a estabelecer contato com outros personagens que foram vigilantes, como Daniel Dreiberg, o Coruja II, e Laurie Juspeczyk, a Espectral II, e apresenta sua teoria, com o intuito de alertá-los sobre o perigo. O problema é que não acreditam nele. Seria, então, Rorschach um maluco, um sociopata com mania de conspiração? A partir desses questionamentos, o roteiro nos conduz por uma história que revela uma sociedade cruel, onde os heróis sofrem e tem problemas como depressão, alcoolismo, entre outros.

A trama avança com flashbacks, que nos mostram a ação dos primeiros heróis e a formação do grupo conhecido como Homens-Minuto. Cada personagem tem seu espaço dividido em capítulos e suas motivações são bem detalhadas. A parte destinada à origem de Rorscharch é a melhor. Interrogado por um médico psiquiatra, o herói demonstra uma complexidade psíquica quase doentia e seus diálogos com o médico são excelentes. O ponto negativo nesse quesito fica por conta do trecho que aborda o Dr. Manhattan (o cientista nuclear que após um acidente torna-se capaz de manipular a matéria), pois seus questionamentos existenciais acabam tornando o roteiro demasiado arrastado e sem tanta fluência. Além da trama em si, o autor inseri uma história paralela, O Conto do Cargueiro Negro, na qual acompanhamos o relato de um pirata náufrago. Na realidade, Moore explora aqui mais uma de suas atribuições narrativas, pois como na realidade criada por ele os heróis estão fora de ação, não há histórias em quadrinhos convencionais, logo, as pessoas leem histórias de piratas. Os trechos em que aparecem o leitor dessa trama, aliás, servem para nos manter informados sobre o pano de fundo da guerra, porque temos também a figura do jornaleiro, personagem que fala das atualidades e questiona decisões do governo.

Por fim, Alan Moore consegue transpor em Watchmen uma sombria realidade, na qual a figura perfeita dos heróis não existe, a sociedade não os aceita e questiona a atuação dos defensores com a pergunta: Quem vigia os vigilantes? O autor dá um show de narrativa, interligando todos os pontos, questionando a veracidade do sonho americano e entregando um desfecho surpreendente.

Contudo, um bom roteiro de HQ não seria eficaz sem que a história fosse transformada em imagens que capturassem a essência do que o autor propôs. Nesse ponto, surge a figura do desenhista Dave Gibbons. O artista explora muito bem todo o potencial dos personagens que tem à mão e nos entrega os questionamentos e dramas deles de maneira singular.

A história não é pautada por muita ação como as revistas tradicionais de heróis, mas sim, por uma densidade, uma crescente tensão a cada descoberta. Gibbons, então, recorre a uma diagramação simples, basicamente nove quadros por página, e conduz as imagens de modo conexo e efetivo. Seu traço hoje pode ser considerado bem característico da década que a HQ foi criada, porém isso não diminui a sua qualidade em complementar o roteiro de Moore.

Além da história e dos desenhos, outro fator interessante na graphic novel são os extras. Entre cada capítulo ficamos sabendo um pouco mais sobre os personagens, tomamos conhecimento, por exemplo, das motivações do primeiro herói mascarado. Quando a história termina, temos trechos do roteiro original, esboços de capa, artes promocionais, textos sobre os personagens e comentários dos autores. Todos esses extras ampliam a experiência de ler a história, demonstrando quão complexo foi o processo desde sua criação até sua conclusão.

Watchmen – Edição Definitiva é item obrigatório na coleção de quem aprecia uma trama adulta e envolvente. Se você está procurando apenas heróis e quadros e mais quadros de cenas de ação, passe bem longe, mas se você deseja uma HQ alternativa, influente e aclamada, eis uma excelente opção.

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